Sina

De qualquer maneira que pensava, não compreendia porque as coisas geralmente não caminham no curso que deveriam. Ou seja, todos os comentários que vemos ou ouvimos, os assuntos mais discutidos são as mazelas, onde invariavelmente, reinam os latrocínios praticados por menores, as corrupções praticadas por maiores. E, no meio dessas loucuras todas, a presença infalível dos inocentes, dançando sem querer dançar. No entanto, quase sempre, a maioria deles nem dançar sabem, porém, para os espertos de plantão, assim é muito melhor, pois, quando eles reclamam, jamais serão ouvidos. E, para servir apenas de ilustração, achei bem oportuno, um diálogo escrito pelo jornalista e escritor brasileiro Luís Fernando Veríssimo, onde numa sátira bem humorada, mostra a conversa entre um ladrão e um cidadão, como segue: “Alô, quem está falando? Aqui é um ladrão. Desculpe, a telefonista deve ter se enganado, eu não queria falar com o dono do banco. Tem algum funcionário aí? Não os funcionários tá tudo refém. Há, eu entendo. Afinal, eles trabalham quatorze horas por dia, ganhando um salário ridículo, vivem levando esporro, mas, não pedem demissão, porque não encontram outro emprego, né? Vida difícil… mas será que eu poderia dar uma palavrinha com um deles? Impossível. Eles tá tudo amordaçado. Foi o que pensei. Gestão moderna, né? Se fizerem alguma crítica, vão para o olho da rua. Não haverá, então, algum chefe por aí? Claro que não mermão. Quanta inguinorânça. O chefe está na cadeia. Que é o lugar mais seguro para comandar assalto! Bom sabe o que é? Eu tenho uma conta…Tamo levando tudo, ô bacana. O saldo da tua conta é zero. Não, isso eu já sabia. Eu sou professor! O que eu queria mesmo era uma informação sobre juro. Companheiro, eu sou um ladrão pé de chinelo! Meu negócio é pequeno. Assalto banco, vez ou outra um seqüestro. Pra saber de juro é melhor tu ligar pra Brasília. Sei, sei. O senhor tá na informalidade, né? Também, pelo preço que estão cobrando por um voto hoje em dia… Mas, será que não poderia fazer um favor para mim? É que eu atrasei o pagamento do cartão e queria saber quanto vou pagar de taxa? Tu tá pensando que eu estou brincando? Isso é um assalto. Longe de mim pensar que o senhor está de brincadeira! Que é um assalto isso eu sei perfeitamente, ninguém no mundo cobra os juros que cobram no Brasil. Mas, queria saber os números precisos: seis por cento, sete por cento? Eu acho que tu não tá entendo, ô mané! Sou assaltante, trabalho na base da intimidação e da chantagem, sacou? Ah! Já estava esperando. Você vai querer vender um seguro de vida ou um título de capitalização, né? Não… já falei…Eu sou… (espera aí bacana). Hoje eu to bonzinho e vou quebrar o teu galho, me dá um minuto. Um minuto depois, alô, o sujeito aqui está dizendo que é oito por cento ao mês. Puxa que incrível! Inclive por quê? Tu achava que era menos. Não, achava que era isso mesmo. Tô impressionado é que, pela primeira vez na vida, eu consegui obter uma informação de uma empresa prestadora de serviço pelo telefone, em nos de meia hora e sem ouvir aquela maldita musicazinha de espera. Quer saber, fui com a tua cara, Acabei de dar umas bordoadas no gerente e ele falou que vai te dar um desconto. Só vai te cobrar quatro por cento, tá ligado? Não acredito! E, eu não vou ter que comprar nenhum produto do banco? Nadica de nada, já tá tudo acertado. Muito obrigado meu senhor. Nunca fui tratado dessa… (de repente ouvem-se tiros e gritos). Ih! Sujou! Pulicia! Polícia, que polícia? Alô, Alô. (sinal de ocupado. Droga, maldito estado, quando o negócio começa a funcionar, entra o Governo e estraga tudo.” Ultimamente e, já faz muito tempo, é assim que as coisas estão acontecendo, não se  precisa ir muito longe para constatar a malversação de tudo que o Estado está promovendo., É. só lembrar da saúde, da segurança, da habitação, da educação, da impunidade em todos os seus aspectos. Sendo que o que mais nos intriga é a nossa inércia física e mental, principalmente nos momentos decisivos nos quais podemos mudar a história. É, como se estivéssemos anestesiados, pois, no momento crucial das mudanças, acabamos votando errado, para variar, outra vez. Infelizmente, somos especialistas em transformar as coisas sérias em piadas, a exemplo do conto do escritor Veríssimo. Vamos fazer o que? Parece ser a nossa sina. Uahhhhh.