Hipocrisia natural

Uma das atitudes congênitas de todos nós, com certeza, é a hipocrisia. Ocasionalmente ou mesmo por pura conveniência, a todo o momento estamos cedendo parte de nosso caráter para dispor de alguma benesse que, de certa forma nos interessa. Pode-se observar claramente tais comportamentos principalmente quando se vai a algum velório, onde pelos cantos do recinto as conversas giram em torno das qualidades do falecido. Embora, quando em vida o finado não tenha sido lá essas coisas. Contudo, para massagear o ego dos parentes e dos amigos mais chegados, a hipocrisia rola solta e a vontade. E, por falar nisso, destaque maior deve ser dado quando se trata de velório de autoridades ou pessoas bem postadas na sociedade local. É nestas ocasiões que os discursos mais inflamados jorram elogios inimagináveis sobre as qualidades do falecido quando em vida. Por oportuno, só para elucidar mais o assunto lembrei-me de uma passagem, aliás, não sei se é fato ou apenas boato, mas, aconteceu num velório de uma pessoa muito importante da cidade. Dizem que um vereador estava discursando ao lado do caixão e, rasgou o verbo dizendo maravilhas, principalmente do comportamento do falecido, tais como: bom chefe de família, excelente esposo, pai carinhoso, cumpridor de seus deveres e, demais adjetivos. A viúva observava o falatório, todavia, não muito entusiasmada com o que ouvia e, num dado momento, cutucou o filho que estava ao seu lado e disse: “dá uma olhada dentro do caixão e vê se é mesmo o seu pai que está lá”. Imaginem só que até mesmo a própria viúva, desconhecia completamente todas aquelas qualidades que supostamente o seu finado marido possuía. Na verdade, a exposição feita pelo nobre edil não passava de uma enxurrada de hipocrisia, cujo objetivo era apenas ganhar simpatias dos familiares para obter futuramente alguns dividendos políticos, só isso. Dias atrás, um amigo meu, me abordou e, com palavras um tanto quanto tristonhas lamentou algumas passagens acontecidas com ele em períodos diferentes. Segundo o seu relato quando estava na ativa, ou seja, trabalhando, por sinal o dito cujo tinha uma posição de destaque no cenário local onde morava, pois, ocupava cargo de chefia em uma repartição pública. Daí, tudo que falava ou comentava tinha uma repercussão significativa, haja vista a sua posição na sociedade local. Mediante tudo isso, conta ele que até as piadinhas que às vezes contava tinham ibope de comediante de renome nacional, tal era a manifestação dos ouvintes. E, por incrível que possa parecer mesmo àquelas que não tinham graça alguma eram aplaudidas da mesma forma. E, agora o meu amigo já aposentado sentia na pele visivelmente que os seus assuntos ou piadas já não gozavam da mesma atenção e, ninguém ria ou aplaudia mesmo daquelas piadas consideradas top de linha. Infelizmente, ele se sentia como um zero a esquerda, aliás, com muita razão, pois, sair das luzes dos holofotes e, de repente se ver dentro do túnel escuro da solidão, haja coração para agüentar tamanha ingratidão. Inobstante toda essa realidade, tentei de alguma forma consolar o meu amigo dizendo-lhe o óbvio, que a vida é assim mesmo e as pessoas são ingratas por natureza e, que o importante é ter obstinação suficiente para virar a página e seguir em frente.  Oportunamente, para dar mais força ao meu amigo, me lembrei e acrescentei no meu consolo uma belíssima colocação popular, que diz mais ou menos assim: ”Quando Deus tira algo de seu alcance, Ele não o está prejudicando, mas apenas abrindo as suas mãos para receber algo melhor”. E, um lembrete para todos, hipócrita é o que não falta.